Um mundo Melhor?
Tudo poderia levar a crer que se trata de um conto de idéias, pois a história contém todos os elementos indispensáveis da vida intelectual. Dos três personagens, dois são homens de atividade artística, um é escritor e o outro é diretor de teatro. Há dois cenários, e um deles é um teatro. A ação objetiva tem dois momentos. A primeiro, é um ensaio em que se discute o caráter da representação. A outra ação é inexpressa, uma cena de violência física. E o único diálogo coloca as questões fundamentais sobre a natureza da arte. Entretanto, ainda que o conto “Um Mundo Melhor”, de
Uma obra de arte vale por si mesmo, independente de situações externas. Nada justifica uma obra de má qualidade, nem as boas intenções, nem a história da literatura, nem a biografia do escritor. Certamente estes fatores ajudam, algumas vezes, a compreender melhor, mas o contexto e o pretexto não são o texto. No “Um Mundo Melhor”, há um dado relevante da história do artista e ele nos dá um indício interessante.
Este dado é relevante no percurso do escritor. É notável este caminho, o texto documental acompanha e enriquece a ficção. Houve um casamento de dois aspectos do Faraco e isto é um fato raro na vida de um escritor. Lendo os textos jornalísticos de Alberto Camus, por exemplo, fiquei admirado de como eles eram não só inferiores, mas de outra natureza quando comparados com a sua ficção. Estes dois elementos estão integrados em Faraco,o documento e a verdade existencial.
Acredito que o diálogo seja uma invenção grega e Platão o seu paradigma. Nele o diálogo serve para apresentar idéias e, acredito, mostrar pessoas. Mais do que idéias, caracteres. O diálogo em que se apresenta idéias tem sempre uma certa atmosfera artificial. Isto se verifica em Platão ou
O diretor de teatro clama pela vida e por uma ação concreta. Não percebe que o teatro é a ação e o texto é igualmente a ação. A torre de marfim, imagem popular do intelectual alienado, não pode conter o escritor que escreve ou o ator que representa. Por que esta ação seria inferior à outra qualquer ação? Haverá maior verdade no ato de comerciar? Quando Cervantes sonha um fidalgo letrado que sonha ser Quixote isto não será ação? Ou vida, como pretende obtusamente o diretor ao tentar obter outra essência e contrapô-la à própria estrutura da obra de arte.
O diálogo compõe a face do personagem à perfeição. O escritor percebe que a sintaxe da arte é a justificativa estética. É verdade e é vida justamente porque é arte.
É este homem e esta percepção que se defrontam com a violência e com um terceiro personagem, inexpresso, é claro, cujos olhos anunciam um gozo no perigo, uma jovem loira. É ela que deseja levar incólume o casaco, signo social de classe e de proteção. Diante desta ação, despido do casaco, de documentos e dos cartões de crédito, e dos sapatos, o escritor, um homem de saber, perde a sua identificação externa, o reconhecimento do mundo. Ele não só é a vitima, mas é ninguém. Um homem atacado no mar por um tubarão não sente de repente que é, naquele universo que visita, apenas comida?
No final do conto, no qual ele inventa um desfecho para a história é um conto dentro de um conto, pois o que ele faz é escrever. É a correção literária à qual o conto alude. E este final, por outro lado, pode ser entendido como um simples mecanismo compensatório. Ou pode mesmo não estar ocorrendo, pode ser que ele invente ter inventado o que teria realmente ocorrido.
Ou seja, a história tem um caráter ambíguo, como é da natureza da arte. E a vida social, que alguns entendem como a realidade, tem este mesmo caráter ambíguo. É o que nos revela a mitologia ancestral, as escrituras sagradas, a psicologia e a física quântica... Pretender a certeza é uma pobre ilusão. Na nossa literatura, isto pode ser exemplificado no que melhor escreveu Machado de Assis. O conto “Missa do Galo” não terá esta mesma ambigüidade? o que sabemos daquela conversa fremente entre a mulher e o jovem? É um conto de uma extraordinária sedução, mas sobre o caráter desta sedução é o que nos perguntamos. E até mesmo sobre a concretitude do acontecimento, desde que não consideremos o sonho uma concretitude suficiente, o que não é a minha posição.
Resta ao personagem, o que conduz a história, a recuperação de sua identidade interior, aquela que não depende do exterior. Ele refaz ou faz o incidente e o relata-escreve para o Russo. Neste conto, no qual o personagem não tem nome, ele se encontra consigo mesmo ao perceber o caráter literário de sua narrativa e ao desejo de auto-transformação. Se assim o fizer poderá ser o autor que deseja. Neste universo descrito por Faraco, em que todos estão num tempo imóvel – os executivos no elevador, o Russo no seu quarto conceitual, a loira assaltante no seu continuum de miséria, nos cenários imóveis que se chamam hotel e teatro, o sem nome é o único que se coloca no fluxo do tempo e se projeta num vir-a-ser que depende apenas de si mesmo.
É um tema medieval o diálogo entre “Todo Mundo” e ‘Ninguém”. Nós podemos encontrá-lo em muitas representações teatrais, inclusive
Jacob Klintowitz